sábado, 8 de fevereiro de 2014

Redes colaborativas, ética hacker e educação

 Collaborative production, hacker ethic and education

 RESUMO

No entanto, é bom lembrar que essas primeiras ideias estavam ainda baseadas em tecnologias muito simples se comparadas com as que hoje temos disponíveis. Com o desenvolvimento da computação, ao longo da segunda metade do século passado, foram sendo incorporados novos elementos tecnológicos que ampliaram a compreensão sobre o hipertexto, com a ampliação das possibilidades de criação de links a partir do texto que relacionam, de forma imediata, elementos textuais outros distribuídos no ciberespaço. São as conexões por meio dos nós que articulam textos escritos, imagens, sons, simulações ou animações e que possibilitam pensar numa relação mais intensa entre aquilo que é posto - o real - e o que está em potência.
Configura-se, assim, um verdadeiro labirinto, com inúmeras possibilidades que serão vivenciadas a partir docaminhar, ou do navegar, ou do estar à toa na rede. Da metáfora inicial usada para significar a utilização da internet (navegar) chegamos a esse à toa, do caminhar sem compromisso (to browse), como sugeriu Sérgio Costa, no III Encontro Nacional sobre Hipertexto, em 2009. As primeiras inspirações da relação que estabelecíamos com o ciberespaço levava-nos à figura do "navegar é preciso", utilizada por Fernando Pessoa. E, já naquele período, alertávamos para a necessidade de pensar a palavra "preciso" no referido verso, não associando-a à precisão, à exatidão. Passamos, portanto, do "navegar é preciso" ao "navegar não é preciso" e, hoje, ao andar descompromissadamente pela rede mundial de computadores, captando daqui e dali fragmentos que vão construindo o todo a partir desses movimentos em torno dos links oferecidos e dos criados pelos internautas. Os movimentos se dão, portanto, pelos labirintos das redes ou, como afirma Maria Helena Dias,
infinitas portas vão se abrindo no sentido de se aprofundar ou se ampliar conhecimentos sobre determinado tema à semelhança de um labirinto que se abre em novas salas e estas, por sua vez, conduzem a passagens que se abrem em outras, à semelhança, também, de um contador de histórias ou uma Princesa Sherazade que se dispõem a "contar outra" a cada "link" (interconexão ou nexo) ou palavra motivadora (DIAS, 2000, s/p).
No entanto, inúmeras vezes percebemos que essas possibilidades não são consideradas, porque o uso dessas tecnologias não considera as transformações contemporâneas e insiste em incorporá-las aos processos, principalmente no campo da educação, tentando encaixá-las em concepções que as aprisionam em grades conceituais que não possibilitam o caminhar mais solto e mais amplo, característico da hipertextualidade e da cibercultura. O que temos percebido é que, na maioria das vezes, as tecnologias digitais - e a internet, em particular - são tratadas como meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais.
Analisando de que forma se dava o uso das tecnologias nas universidades, com foco na televisão e no vídeo, Pretto (1996) já afirmava ser necessário pensá-las numa perspectiva outra que não a meramente instrumental. Necessário se faz, nesse contexto, pensar as "novas" tecnologias digitais, e a internet em particular, enquanto algo para além dessa perspectiva ferramental, considerando-a, como afirma Mark Poster, como um "espaço social", acrescentamos, caracterizada pela hipertextualidade. O que isso significa e quais os seus efeitos? Mark Poster:
[os seus efeitos são] mais como os da Alemanha do que como os dos martelos. Os efeitos da Alemanha sobre as pessoas dentro dela é o de torná-los alemães (pelo menos na maior parte dos casos); os efeitos do martelo não é fazer com que as pessoas sejam martelos, embora os Heideggerianos e alguns outros possam discordar, mas pregar pontas metálicas na madeira. Enquanto entendermos a [i]nternet como um martelo, vamos deixar de compreendê-la como compreendemos o exemplo da Alemanha. O problema é que as perspectivas modernas tendem a reduzir a [i]nternet à um martelo. Na grande narrativa da modernidade, a [i]nternet é uma ferramenta eficaz de comunicação, que adianta os objetivos de seus usuários, entendidos como pré-constituídos de identidades instrumentais (POSTER, 2001, p. 177, grifo nosso).
Para Mark Poster (e para nós), a internet e o conjunto de tecnologias digitais são muito mais do que essa "ferramenta eficaz de comunicação". E isso pudemos observar ao longo dos anos, acompanhando o desenvolvimento tecnológico e sua apropriação pela sociedade.Essa perspectiva para além da ferramenta pode ser evidenciada em vários exemplos e aqui destacaremos apenas um.
No início do ano 2000, quando os primeiros aparelhos celulares foram apresentados à sociedade, ficava evidente sua função de ser mais um meio de distribuição (instrumental) de informações, como o anúncio de cotações da bolsa de valores, oferta de produtos para compras e noticiário em geral, tudo, como de costume, gerado pelos grandes grupos de mídia e distribuído por meio daqueles primeiros equipamentos móveis.
Nossa crítica, à época, concentrava-se no fato de que aqueles primeiros equipamentos continham, basicamente, a funcionalidade de recebimento de informações, constituindo-se, junto com a própria internet, em verdadeiros "portais-currais" (LEMOS, 2000; PRETTO, 2000). Desde aquele momento, consideramos importante criticar essa perspectiva de uso das tecnologias e, em particular, na educação, que consideravam (ou consideram?!) necessários esses portais para organizar as informações para os professores, como se eles fossem incapazes de navegar na internet sem a existência de bússolas orientadoras ou, quem sabe, fios de Ariadne que possibilitassem única e exclusivamente a chamada navegação segura. Impossível pensar no "browsear". Impossível pensar no labirinto. O labirinto, aqui, amedrontava (amedronta?!). E, com isso, não se configurariam as redes de relações colaborativas e, muito menos, a possibilidade de considerar a pluralidade de olhar dos sujeitos interagentes.
Ocorre que, daqueles primeiros momentos desse século até hoje, o que aconteceu foi que a juventude apropriou-se das tecnologias e as transformou completamente, de um meio meramente receptor de informações para um meio de expressão de ideias e de manifestação da pluralidade e de cidadania.
No caso daqueles aparelhos celulares, eles passaram a ser usados como elementos estruturantes de outra comunicação, alimentando, no ato, em tempo real, sítios como o Twitter, Identica, Orkut, Flickr, Myspace, Facebook, entre outros.
Mas isso não está se dando somente com a juventude, e muito menos apenas para uma juventude privilegiada economicamente. Os dados sobre o uso da telefonia móvel no Brasil e no mundo indicam claramente um crescimento espantoso de acesso a essa rede. No caso do Brasil, os números de 2008 apontam que o país já possuía mais de 128 milhões de linhas instaladas1. Em termos mundiais, em 1991, existiam 34 linhas de telefone fixo para cada móvel e, em 2004, as assinaturas de telefones móveis superavam os fixos ("1.748 milhões de celulares/1.198 milhões de telefones fixos") (LEADBEATER, 2009, p. 185). Com o acesso facilitado, seu uso extrapola o juvenil, passando a serem usados por todas as idades, como pode ser visto nos recentes exemplos nos movimentos em defesa das liberdades no Irã, quando praticamente toda a mobilização ocorrida foi postada pelos ativistas e militantes iranianos com textos, imagens, vídeos e áudios, de lá para o mundo, sem passar pelos tradicionais canais de comunicação.
Essa apropriação traz, associadas a ela, transformações na forma de se manifestar. Exemplo dos mais significativos nos dias de hoje é o Twitter. Aqui, o que temos são novas formas de expressão e linguagens, já que essa plataforma de comunicação limita a escrita ao máximo de 140 caracteres, o que demanda não só a utilização de expressões abreviadas, já típicas da escrita da juventude nos SMS (short message service - serviço de mensagens curtas), mas também outras formas de expressão, mais sintéticas e mais diretas.
Como afirmou Sérgio Costa, no Hipertexto 2009, ele permite "a construção de novos gêneros de texto, em que o nomadismo e as relações entre superfície e interface estão presentes. Trata-se da chamada 'cultura móvel', em que o nomadismo é uma de suas características principais, com sua instabilidade, heterogeneidade e fluidez, refletidas nas práticas comunicativas ciberespaciais".
Complementarmente, como a ideia básica é dizer o que se está fazendo para aqueles que são interessados no seu dia a dia, cria-se um efeito multiplicador significativo, com o denominado efeito Twitter, significando uma expansão exponencial da rede assim formada.
Nesse contexto, é importante compreender como a presença das tecnologias digitais, denominadas por Pierre Lévy de tecnologias da inteligência (LÉVY, 1993), e que Luis Felippe Serpa denomina de tecnologias proposicionais (SERPA, 2004), passam a operar em uma dimensão diferente das antigas tecnologias, que operavam numa perspectiva de extensão dos sentidos do homem.
Hoje, passamos a ter um conjunto de tecnologias que não mais operam na perspectiva de amplificar os sentidos, mas que passam a operar com as ideias propriamente ditas. Em outras palavras, máquinas que não mais estão apenas (apenas?!) a serviço do homem, mas que com ele interagem, formando um conjunto homem-máquina pleno de significado. De acordo com o físico inglês Stephen Wolfram, citado por Piere Lévy,

a mudança é ainda mais fundamental, pois surgiu um novo modo de pensamento científico. Doravante, as leis científicas são consideradas como algoritmos e mitos desses algoritmos são estruturados por computadores; por outro lado, consideram-se os sistemas físicos como sistemas informáticos que processam a informação à maneira dos computadores (LÉVY, 1998, p. 114).

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