sábado, 8 de fevereiro de 2014

A cultura hacker na educação

 Em todo o mundo há uma enorme demanda por mudanças na educação, uma vez que, na dinâmica social contemporânea, transformações já vêm ocorrendo, o que sugere a necessidade urgente de se desenvolver outras estratégias para se pensar a educação contemporaneamente.

 A escola, nesse contexto, especialmente a pública, ganha especial destaque enquanto espaço físico tecnologicamente equipado para se constituir em uma verdadeira plataforma de integração e articulação da juventude. Essas escolas, esses espaços singulares, promovendo interações entre os sujeitos, entre si e com as tecnologias, promovem a convivência dos múltiplos contextos e das múltiplas subjetividades inerentes à espécie humana, configuram-se tanto como lugares específicos quanto como possibilidades de conexões com outros lugares, estes também específicos, promovendo outros entrelugares, fruto dessas relações singulares. Estes, por sua vez,
 são instáveis, pois decorrem da ressonância do diálogo de dois lugares, que ressaltam na precipitação de acontecimentos produzidos pelo diálogo [dos diferentes, acrescento]; ao terminar a ressonância, o entre-lugar se esvai, mas os dois lugares que precipitam os acontecimentos ressonantes agregam conhecimento (SERPA, 2004, p. 166).

 A rede estabelece-se. Fortalece-se.

 Para que isso se configure, precisamos afastar a ideia de uma escola única, padronizada, concebida de fora para ser seguida em processos de reprodução indefinida. Pensamos, portanto, em pedagogia da diferença, conforme já apresentamos em outros textos (PRETTO; SERPA, 2001; SERPA, 2004). Pedagogias que tenham na hipertextualidade, possibilitada pela cibercultura, o fortalecimento de uma rede não-linear de diferenças. As transformações necessárias apontam para um ritual de passagem da porta da sala de aula que represente o fortalecimento do "eu" e a aprendizagem da convivência com a diferença. Assim, quando essas diferenças existirem e formarem parte viva dos processos, perderá sentido a porta da sala de aula, uma vez que, através das redes e conexões, o diferente estará interagindo com o de dentro e com o de fora, instantânea e constantemente. O que vai importar será exatamente esse movimento de interação e troca. 

Interação e troca entre sujeitos. Interação e troca entre produtos culturais. Recombinagem. Remixagem. Nova produção e diálogo permanente com o instituído, produzindo-se, a partir daí, novos produtos, novas culturas e novos conhecimentos. Tudo no plural. Com isso, temos a possibilidade de retomar o papel de liderança acadêmica do professor, que, em conjunto com os alunos, no coletivo e individualmente, passam a interagir de forma intensa com esse labirinto de possibilidades. 

 A revolução tecnológica das duas últimas décadas, como já mencionamos, possibilita e exige pedagogias que desenvolvam a (con)vivência entre os diferentes, interpenetrando local - não-local e passado-presente-futuro. Nesse processo de convivência, o que se busca é não apenas a sua consideração como elemento inicial e ilustrador dos processos de transformação do diferente no igual, mas, sim, o próprio enaltecimento das diferenças.
 Infelizmente, ainda hoje, sobe a égide da escola, desenvolvem-se pedagogias da assimilação, isto é, processos educativos que transformam o "outro" no "eu", estando o diferente apenas como elemento ilustrador inicial desses processos de transformação. A entrada da internet e das tecnologias digitais na escola, portanto, termina, paradoxalmente, por configurar-se como um elemento estranho ao corpo da escola. Paradoxalmente porque, para a juventude, essa relação com a tecnologia se dá de forma quase transparente. Assim, insistindo-se na implantação de pedagogias de assimilação nas escolas e nos sistemas educativos, a escola tornar-se-á, seguramente, dispensável, inútil e empobrecida.

 Necessário se faz, para concluir o texto sem encerrar o debate, retomar o caráter das tecnologias digitais: local-não-local e passado-presente-futuro interpenetrando-se em uma topologia de vizinhanças das interações humanas. Dessa forma, pensamos ser possível, considerando a ética hacker que nos alimenta, a construção de outras educações, com base na pluralidade como parte integrante dos processos. Também para as palavras necessitamos desse plural. Portanto, em vez de educação, falamos em educações, com esse plural pleno, implicando todas e todos num rico processo de criação permanente. Como afirma Felippe Serpa, "no plano da não hegemonia, necessita-se de uma nova educação, radicalmente distinta da educação da modernidade, baseada na escola única. No limite extremo, cada grupo humano desenvolveria a sua educação" (SERPA, 2004, p. 156 ).

 Como BNegão afirmou na citação que abre este artigo, pensamos em escolas produzindo de forma aberta culturas e conhecimentos, circulando as criações humanas de forma intensa, sem intermediários, a partir da generosidade e da colaboração, algo bastante distinto do que hoje estamos acostumados a ver. Essa escola, repleta de processos criativos, com sua inserção no ciberespaço, afasta, na prática, a ideia de uma escola distribuidora de informações, verticalizadas e produzidas de forma centralizada, em que aos estudantes só resta a opção de consumir.

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