sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Como devemos avaliar nossos alunos

Avaliação na educação

Domingos Fernandes

 Limitações e potencialidades da avaliação profissional.

 Nunca como agora foram tantas as pressões para que, nos mais variados contextos educativos e formativos, se avalie tudo e todos. Entramos numa era em que a “prestação de contas” entrou no léxico dos educadores mais insuspeitos. Daqui e dali surgem verdadeiros kits prontos a usar para avaliar professores, escolas e sistemas educativos. Tudo em nome de uma qualidade, de uma eficiência e de uma eficácia que, em rigor, nem sempre serão discutidas com clareza e com a desejável e necessária profundidade. Há uma corrida à avaliação como se ela fosse a panacéia para todos os males que apoquentam os sistemas educativos. Num ápice, em poucos anos, multiplicaram-se as avaliações no seio dos sistemas educativos: das aprendizagens dos alunos, dos desempenhos dos professores e das escolas, dos programas lançados pelas administrações educativas ou dos currículos. Mais: diferentes organizações internacionais, governamentais e não governamentais, têm promovido estudos de avaliação das aprendizagens, sobretudo em Matemática, Ciências e Língua Materna, envolvendo dezenas de países, milhares de escolas e dezenas de milhares de estudantes. 
 Entre tais avaliações se encontram o Programme for International Student Assessment (PISA), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Third International Mathematics and Science Study (TIMSS) da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA). A chamada globalização e a conseqüente interdependência econômica de muitos países, não são indiferentes a estes esforços avaliativos que, num certo sentido, acabam por influenciar o desenvolvimento das suas políticas educativas. Curiosamente, no domínio das aprendizagens dos alunos, parece ser claro que aqueles esforços de avaliação têm estado mais centrados nas avaliações externas – exames nacionais – normalmente da responsabilidade dos Ministérios da Educação ou de quaisquer outras entidades oficiais, e menos nas respectivas avaliações internas, da responsabilidade dos professores e das escolas. Ou seja, há um déficit de investimento na chamada avaliação pedagógica, na avaliação cujo principal propósito é o de ajudar alunos e professores a aprender e a ensinar melhor e que ocorre no interior das salas de aula. Note-se que nada tenho contra a proliferação de sistemas de avaliação que contribuam genuinamente para que se compreenda a natureza dos problemas e para que se encontre algum tipo de solução para eles. Pelo contrário, sou dos que acreditam que a avaliação pode constituir um poderoso meio de melhoria generalizada das práticas escolares e, conseqüentemente, da aprendizagem dos alunos. 
 A avaliação pode ajudar-nos a construir escolas mais inteligentes, com projetos pedagógicos capazes de apoiar a emancipação dos jovens estudantes e dos próprios professores pois contribuem de forma inequívoca para que se aprenda a ensinar e para que se aprenda a aprender. O meu receio é que a avaliação se banalize no pior sentido e se transforme num mero procedimento de controle burocrático-administrativo, em vez de um poderoso processo de regulação e de melhoria, que exige a mobilização de processos cognitivos e metacognitivos complexos. Repare-se que no caso da aprendizagem dos alunos a avaliação deveria ser um processo eminentemente pedagógico, centrado em objetivos de largo alcance e de largo espectro, contínuo, fortemente participado e, por isso mesmo, de grande exigência cognitiva. Isto é, deveria prevalecer uma avaliação de natureza essencialmente formativa, consistindo na recolha de informação e/ou de evidências de aprendizagem que, através de feedback apropriado, é devolvida aos alunos para que eles possam, quando necessário, vencer as dificuldades. A investigação realizada nas últimas décadas, particularmente a partir dos anos 80 do século passado, evidencia de forma clara que a avaliação formativa melhora significativamente as aprendizagens dos alunos e, muito particularmente, dos que têm mais dificuldades. De igual modo, a avaliação formativa está associada a processos significativos de desenvolvimento profissional dos professores, a melhorias sensíveis na organização e no funcionamento pedagógico das escolas e a formas diferenciadas de construção da sua autonomia. Importa talvez acrescentar, para além do que já se referiu, que a avaliação formativa, independentemente do ente que está a ser avaliado, está intrinsecamente associada a processos de auto-avaliação, de auto-controle e de auto-regulação. Ou seja, as práticas de avaliação formativa não podem deixar de implicar o exercício de práticas diferenciadas de autonomia, que exigem novas e inovadoras formas de desenvolvimento curricular, de participação dos professores no seu próprio desenvolvimento profissional ou de organização e de funcionamento dos grupos que constituem a escola. Sendo evidente que a avaliação tem um importante papel a desempenhar nos sistemas educativos e na sociedade em geral, é necessário, por um lado, que exista o discernimento suficiente para que se perceba que papel é esse e quais são os seus limites. Por outro lado, que a avaliação não seja vista como mais uma técnica ou mais uma espécie de receita que se utiliza de forma mecânica e burocrática.
 E muito menos se poderá permitir que a avaliação e os avaliadores se tornem numa espécie de juízes, acima de qualquer suspeita, acima de qualquer escrutínio, que dizem a todos o que está funcionando bem e o que está funcionando mal… A presença crescente da avaliação nas mais variadas áreas da vida social é hoje uma realidade indispensável e mesmo insubstituível. Isso porque, entre outras finalidades, permite caracterizar, compreender, divulgar e ajudar a resolver uma grande variedade de problemas que afeta a sociedade contemporânea, tais como o pleno acesso à educação, a prestação de cuidados de saúde, a distribuição de recursos e a pobreza. Melhorar a vida e o bem estar das pessoas, isto é, contribuir decisivamente para a construção de justiça a todos os níveis e para a implantação de sistemas sociais e políticos plenamente democráticos, é talvez um dos mais prementes desafios às teorias, às práticas e às políticas de avaliação. Na verdade, pensando no contexto de muitos sistemas educativos contemporâneos, questionar um status quo pedagógico em que se continua a discriminar e a segregar socialmente milhões de alunos um pouco por todo o mundo, é um imperativo ético e político da maior relevância que tem de ser assumido por todos: professores, educadores, investigadores, políticos, pais e encarregados de educação e alunos. Trata-se de um problema de graves repercussões que a avaliação pode e deve ajudar a resolver através de: a) novas formas de avaliar o que os alunos sabem e são capazes de fazer; b) sistemas que permitam avaliar o desempenho de educadores e professores, apoiando-os no seu desenvolvimento profissional; ou c) processos amplamente participados de auto-avaliação das escolas e das instituições escolares em geral. Conscientes das limitações e dos perigos de olharmos para a avaliação de forma pouco crítica e pouco sustentada dos pontos de vista ontológico, epistemológico, metodológico e pedagógico, podemos transformá-la numa importante alavanca de transformação e de melhoria das realidades educativas. Realmente, a avaliação pode, por exemplo, contribuir para que se rompa com o paradigma da transmissão do conhecimento e se desenvolva um paradigma em que o conhecimento é construído interativamente. Ou, ainda, para que o ensino uniforme dê lugar a um ensino diferenciado que responda às necessidades de todos e de cada um dos jovens estudantes. Da mesma maneira, a avaliação pode ser um processo clarificador e de tomada de consciência coletiva dos professores e das escolas quanto ao desempenho dos sistemas educativos.
 A avaliação, por definição e natureza, potencializa a valorização e a credibilidade das competências profissionais, científicas e pedagógicas dos professores. Neste sentido, poderá ser um importante processo de regulação, de amadurecimento, de credibilidade e de reconhecimento de uma classe profissional que, numa diversidade de países, está confrontada com um dos desafios mais significativos dos últimos anos. Quaisquer que sejam os desenvolvimentos das políticas educativas para os próximos anos, poderá ser grave não atribuir uma prioridade clara à melhoria do ensino, das aprendizagens e da organização e funcionamento pedagógico das escolas, através de sistemas de avaliação de natureza marcadamente formativa. Estes desígnios são partilhados de forma mais ou menos explícita pelos educadores, professores e investigadores que colaboram neste livro. Desta forma, a partir de uma multiplicidade de perspectivas e de diferentes contextos de aplicação prática da avaliação, ficam bem claras as suas reais potencialidades para transformar e melhorar as realidades dos sistemas educativos contemporâneos. Domingos Fernandes Professor da Universidade de Lisboa, Portugal; Doutor e Mestre em Educação; Licenciado em Matemática; Professor em cursos de pós-graduação de universidades portuguesas e estrangeiras na área sobre avaliação; Autor de várias obras na área. « Lançamento RevistasIh! Errei! Contribuições para uma prática mais competente »

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