sábado, 8 de fevereiro de 2014

Recursos educacionais abertos REA


  REA- São materiais de ensino aprendizagem e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio publico, ou estão licenciados de maneira aberta permitindo que seja utilizados ou adaptados por terceiros. o uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e reuso potencial dos recursos públicos digitalmente, os recursos educacionais abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, videos, software e qualquer outra ferramenta material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento. Quando materiais didáticos e educacionais são considerados bens públicos e comuns todos podem se beneficiar professores, estudantes e autores interessados na utilização de sua produção. 

A cultura hacker na educação

 Em todo o mundo há uma enorme demanda por mudanças na educação, uma vez que, na dinâmica social contemporânea, transformações já vêm ocorrendo, o que sugere a necessidade urgente de se desenvolver outras estratégias para se pensar a educação contemporaneamente.

 A escola, nesse contexto, especialmente a pública, ganha especial destaque enquanto espaço físico tecnologicamente equipado para se constituir em uma verdadeira plataforma de integração e articulação da juventude. Essas escolas, esses espaços singulares, promovendo interações entre os sujeitos, entre si e com as tecnologias, promovem a convivência dos múltiplos contextos e das múltiplas subjetividades inerentes à espécie humana, configuram-se tanto como lugares específicos quanto como possibilidades de conexões com outros lugares, estes também específicos, promovendo outros entrelugares, fruto dessas relações singulares. Estes, por sua vez,
 são instáveis, pois decorrem da ressonância do diálogo de dois lugares, que ressaltam na precipitação de acontecimentos produzidos pelo diálogo [dos diferentes, acrescento]; ao terminar a ressonância, o entre-lugar se esvai, mas os dois lugares que precipitam os acontecimentos ressonantes agregam conhecimento (SERPA, 2004, p. 166).

 A rede estabelece-se. Fortalece-se.

 Para que isso se configure, precisamos afastar a ideia de uma escola única, padronizada, concebida de fora para ser seguida em processos de reprodução indefinida. Pensamos, portanto, em pedagogia da diferença, conforme já apresentamos em outros textos (PRETTO; SERPA, 2001; SERPA, 2004). Pedagogias que tenham na hipertextualidade, possibilitada pela cibercultura, o fortalecimento de uma rede não-linear de diferenças. As transformações necessárias apontam para um ritual de passagem da porta da sala de aula que represente o fortalecimento do "eu" e a aprendizagem da convivência com a diferença. Assim, quando essas diferenças existirem e formarem parte viva dos processos, perderá sentido a porta da sala de aula, uma vez que, através das redes e conexões, o diferente estará interagindo com o de dentro e com o de fora, instantânea e constantemente. O que vai importar será exatamente esse movimento de interação e troca. 

Interação e troca entre sujeitos. Interação e troca entre produtos culturais. Recombinagem. Remixagem. Nova produção e diálogo permanente com o instituído, produzindo-se, a partir daí, novos produtos, novas culturas e novos conhecimentos. Tudo no plural. Com isso, temos a possibilidade de retomar o papel de liderança acadêmica do professor, que, em conjunto com os alunos, no coletivo e individualmente, passam a interagir de forma intensa com esse labirinto de possibilidades. 

 A revolução tecnológica das duas últimas décadas, como já mencionamos, possibilita e exige pedagogias que desenvolvam a (con)vivência entre os diferentes, interpenetrando local - não-local e passado-presente-futuro. Nesse processo de convivência, o que se busca é não apenas a sua consideração como elemento inicial e ilustrador dos processos de transformação do diferente no igual, mas, sim, o próprio enaltecimento das diferenças.
 Infelizmente, ainda hoje, sobe a égide da escola, desenvolvem-se pedagogias da assimilação, isto é, processos educativos que transformam o "outro" no "eu", estando o diferente apenas como elemento ilustrador inicial desses processos de transformação. A entrada da internet e das tecnologias digitais na escola, portanto, termina, paradoxalmente, por configurar-se como um elemento estranho ao corpo da escola. Paradoxalmente porque, para a juventude, essa relação com a tecnologia se dá de forma quase transparente. Assim, insistindo-se na implantação de pedagogias de assimilação nas escolas e nos sistemas educativos, a escola tornar-se-á, seguramente, dispensável, inútil e empobrecida.

 Necessário se faz, para concluir o texto sem encerrar o debate, retomar o caráter das tecnologias digitais: local-não-local e passado-presente-futuro interpenetrando-se em uma topologia de vizinhanças das interações humanas. Dessa forma, pensamos ser possível, considerando a ética hacker que nos alimenta, a construção de outras educações, com base na pluralidade como parte integrante dos processos. Também para as palavras necessitamos desse plural. Portanto, em vez de educação, falamos em educações, com esse plural pleno, implicando todas e todos num rico processo de criação permanente. Como afirma Felippe Serpa, "no plano da não hegemonia, necessita-se de uma nova educação, radicalmente distinta da educação da modernidade, baseada na escola única. No limite extremo, cada grupo humano desenvolveria a sua educação" (SERPA, 2004, p. 156 ).

 Como BNegão afirmou na citação que abre este artigo, pensamos em escolas produzindo de forma aberta culturas e conhecimentos, circulando as criações humanas de forma intensa, sem intermediários, a partir da generosidade e da colaboração, algo bastante distinto do que hoje estamos acostumados a ver. Essa escola, repleta de processos criativos, com sua inserção no ciberespaço, afasta, na prática, a ideia de uma escola distribuidora de informações, verticalizadas e produzidas de forma centralizada, em que aos estudantes só resta a opção de consumir.
A produção colaborativa

A ideia de produção colaborativa e compartilhada ganhou destaque no final do século passado, a partir do desenvolvimento da computação e com os movimentos do software livre e do código aberto. Para este texto, é importante retomar o início do desenvolvimento da ciência da computação, já referido quando lembramos de Vannevar Bush e Theodor Nelson.
Na mesma segunda metade do século passado, jovens estudantes, interessados no desenvolvimento tecnológico e nas mudanças do mundo, começaram a desenhar programas e máquinas a partir de uma nova linguagem que começava a ser escrita. Era o nascimento da linguagem binária, que possibilita o digital. Essa turma de jovens estudantes ocupava garagens, porões e laboratórios das universidades americanas, particularmente no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e, com ou sem seus professores, começaram a desenvolver os primeiros computadores pessoais e suas engenhocas.
Boa parte desses movimentos tinha como princípio uma intensa lógica de partilhamento, inerente à própria cultura daqueles que passaram a ser conhecidos como hackers. O processo de produção desses novos aparatos tinha como metodologia resolver os problemas surgidos em cada um dos projetos e, a cada solução, a imediata circulação dela para ser objeto de crítica dos outros. Era o início do até hoje conhecido RFC (Request For Comments - solicitação de comentários), comum na computação, que nada mais é do que pôr uma ideia (uma solução) na mesa, aguardando a colaboração dos demais.
Esses princípios dos hackers possibilitaram a construção do ciberespaço, que, com os aparatos tecnológicos digitais, possibilitou intrinsecamente a emergência de novas linguagens e de novas práticas de produção de conhecimentos e de culturas. Destacam-se, nesse campo, as redes ponto a ponto (peer-to-peer: rede entre pares, rede entre amigos, p2p), que têm como base a produção e a circulação colaborativa, que partilha as produções e os conhecimentos. 
 O início desse movimento seguramente pode ser associado às trocas de arquivos pela internet através de pioneiros programas como o Naspter e com a possibilidade de compressão de arquivos de música a partir do algoritmo de compressão (proprietário) que ficou conhecido como mp3.
 Essas redes distribuídas, não-hierárquicas e descentralizadas, nas quais cada usuário, ou seja, cada computador na rede pode, ao mesmo tempo, exercer a função de cliente e servidor e, o mais importante, sem um gerenciamento central, faz com que a informação trafegue velozmente, possibilitando múltiplas conexões simultâneas. Esses movimentos para o desenvolvimento dos softwares livres catalizaram um conjunto de outros movimentos, que aqui não vamos focalizar, ligados aos licenciamentos de produtos científicos, acadêmicos e culturais, gerando as licenças abertas, como a General Public License (GPL), o Copyleft e o Creative Commons. Esse conjunto de ações concomitantes foi fortalecendo uma cultura de partilhamento, cultura essa básica e fundamental para a educação.
Redes colaborativas, ética hacker e educação

 Collaborative production, hacker ethic and education.

 RESUMO

 O texto discute as transformações do mundo contemporâneo a partir da presença intensa de tecnologias digitais de informação e comunicação. Analisa o que denominamos de labirinto espaço-temporal, constituidor da hipertextualidade do mundo contemporâneo. Parte da compreensão das tecnologias digitais para discutir as novas linguagens e a sua apropriação pela juventude. Analisa a produção do conhecimento em função do movimento global de produção colaborativa de conhecimento livre com base na denominada ética hacker para, pensar a educação numa perspectiva colaborativa. Destaca o papel da cultura digital enquanto espaço aberto no qual os novos modos de relacionamento e de intercâmbio de culturas promovem, potencialmente, novas possibilidades de produção de conhecimentos e culturas. Propõe ao final, considerar a educação com base na pluralidade construindo novas educações.

Rede: nova maneira de produzir conhecimento

 A evolução científica e tecnológica das duas últimas décadas mudou qualitativamente as relações humanas, a sociabilidade e a relação entre as sociedades. O aumento do ritmo das transformações conduziu, nos seus limites, ao achatamento do tempo e à contração do espaço, um possibilitando o outro, reciprocamente, constituindo-se em um verdadeiro labirinto espaço-temporal. Presente, passado e futuro, em relação ao tempo, e local e não-local, em relação ao espaço (HARVEY, 1992; AUGE, 1994), concretamente, perdem nitidez e fundem-se por meio de aparatos tecnológicos digitais que são estruturantes de uma hipertextualidade. Hipertextualidade esta que vai além da comunicação, como afirmou Pierre Lévy, em As tecnologias da Inteligência. Para ele, "os processos sociotécnicos, sobretudo, também têm uma forma hipertextual, assim como vários outros fenômenos. O hipertexto é talvez uma metáfora válida para todas as esferas em que significações estejam em jogo" (LÉVY, 1993, p. 25). Hipertexto passou a ser conceito fundante a partir do trabalho de Theodor Nelson, na década de 60 do século passado. A proposta original de Vannevar Bush de criação de um grande mecanismo de amplificação da memória, com o estabelecimento de links variados, apareceu pela primeira vez em um artigo publicado na revista americana The Atlantic Monthly, descrevendo o sistema Memex (Memory Extension, extensão da memória). 
Redes colaborativas, ética hacker e educação

 Collaborative production, hacker ethic and education

 RESUMO

No entanto, é bom lembrar que essas primeiras ideias estavam ainda baseadas em tecnologias muito simples se comparadas com as que hoje temos disponíveis. Com o desenvolvimento da computação, ao longo da segunda metade do século passado, foram sendo incorporados novos elementos tecnológicos que ampliaram a compreensão sobre o hipertexto, com a ampliação das possibilidades de criação de links a partir do texto que relacionam, de forma imediata, elementos textuais outros distribuídos no ciberespaço. São as conexões por meio dos nós que articulam textos escritos, imagens, sons, simulações ou animações e que possibilitam pensar numa relação mais intensa entre aquilo que é posto - o real - e o que está em potência.
Configura-se, assim, um verdadeiro labirinto, com inúmeras possibilidades que serão vivenciadas a partir docaminhar, ou do navegar, ou do estar à toa na rede. Da metáfora inicial usada para significar a utilização da internet (navegar) chegamos a esse à toa, do caminhar sem compromisso (to browse), como sugeriu Sérgio Costa, no III Encontro Nacional sobre Hipertexto, em 2009. As primeiras inspirações da relação que estabelecíamos com o ciberespaço levava-nos à figura do "navegar é preciso", utilizada por Fernando Pessoa. E, já naquele período, alertávamos para a necessidade de pensar a palavra "preciso" no referido verso, não associando-a à precisão, à exatidão. Passamos, portanto, do "navegar é preciso" ao "navegar não é preciso" e, hoje, ao andar descompromissadamente pela rede mundial de computadores, captando daqui e dali fragmentos que vão construindo o todo a partir desses movimentos em torno dos links oferecidos e dos criados pelos internautas. Os movimentos se dão, portanto, pelos labirintos das redes ou, como afirma Maria Helena Dias,
infinitas portas vão se abrindo no sentido de se aprofundar ou se ampliar conhecimentos sobre determinado tema à semelhança de um labirinto que se abre em novas salas e estas, por sua vez, conduzem a passagens que se abrem em outras, à semelhança, também, de um contador de histórias ou uma Princesa Sherazade que se dispõem a "contar outra" a cada "link" (interconexão ou nexo) ou palavra motivadora (DIAS, 2000, s/p).
No entanto, inúmeras vezes percebemos que essas possibilidades não são consideradas, porque o uso dessas tecnologias não considera as transformações contemporâneas e insiste em incorporá-las aos processos, principalmente no campo da educação, tentando encaixá-las em concepções que as aprisionam em grades conceituais que não possibilitam o caminhar mais solto e mais amplo, característico da hipertextualidade e da cibercultura. O que temos percebido é que, na maioria das vezes, as tecnologias digitais - e a internet, em particular - são tratadas como meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais.
Analisando de que forma se dava o uso das tecnologias nas universidades, com foco na televisão e no vídeo, Pretto (1996) já afirmava ser necessário pensá-las numa perspectiva outra que não a meramente instrumental. Necessário se faz, nesse contexto, pensar as "novas" tecnologias digitais, e a internet em particular, enquanto algo para além dessa perspectiva ferramental, considerando-a, como afirma Mark Poster, como um "espaço social", acrescentamos, caracterizada pela hipertextualidade. O que isso significa e quais os seus efeitos? Mark Poster:
[os seus efeitos são] mais como os da Alemanha do que como os dos martelos. Os efeitos da Alemanha sobre as pessoas dentro dela é o de torná-los alemães (pelo menos na maior parte dos casos); os efeitos do martelo não é fazer com que as pessoas sejam martelos, embora os Heideggerianos e alguns outros possam discordar, mas pregar pontas metálicas na madeira. Enquanto entendermos a [i]nternet como um martelo, vamos deixar de compreendê-la como compreendemos o exemplo da Alemanha. O problema é que as perspectivas modernas tendem a reduzir a [i]nternet à um martelo. Na grande narrativa da modernidade, a [i]nternet é uma ferramenta eficaz de comunicação, que adianta os objetivos de seus usuários, entendidos como pré-constituídos de identidades instrumentais (POSTER, 2001, p. 177, grifo nosso).
Para Mark Poster (e para nós), a internet e o conjunto de tecnologias digitais são muito mais do que essa "ferramenta eficaz de comunicação". E isso pudemos observar ao longo dos anos, acompanhando o desenvolvimento tecnológico e sua apropriação pela sociedade.Essa perspectiva para além da ferramenta pode ser evidenciada em vários exemplos e aqui destacaremos apenas um.
No início do ano 2000, quando os primeiros aparelhos celulares foram apresentados à sociedade, ficava evidente sua função de ser mais um meio de distribuição (instrumental) de informações, como o anúncio de cotações da bolsa de valores, oferta de produtos para compras e noticiário em geral, tudo, como de costume, gerado pelos grandes grupos de mídia e distribuído por meio daqueles primeiros equipamentos móveis.
Nossa crítica, à época, concentrava-se no fato de que aqueles primeiros equipamentos continham, basicamente, a funcionalidade de recebimento de informações, constituindo-se, junto com a própria internet, em verdadeiros "portais-currais" (LEMOS, 2000; PRETTO, 2000). Desde aquele momento, consideramos importante criticar essa perspectiva de uso das tecnologias e, em particular, na educação, que consideravam (ou consideram?!) necessários esses portais para organizar as informações para os professores, como se eles fossem incapazes de navegar na internet sem a existência de bússolas orientadoras ou, quem sabe, fios de Ariadne que possibilitassem única e exclusivamente a chamada navegação segura. Impossível pensar no "browsear". Impossível pensar no labirinto. O labirinto, aqui, amedrontava (amedronta?!). E, com isso, não se configurariam as redes de relações colaborativas e, muito menos, a possibilidade de considerar a pluralidade de olhar dos sujeitos interagentes.
Ocorre que, daqueles primeiros momentos desse século até hoje, o que aconteceu foi que a juventude apropriou-se das tecnologias e as transformou completamente, de um meio meramente receptor de informações para um meio de expressão de ideias e de manifestação da pluralidade e de cidadania.
No caso daqueles aparelhos celulares, eles passaram a ser usados como elementos estruturantes de outra comunicação, alimentando, no ato, em tempo real, sítios como o Twitter, Identica, Orkut, Flickr, Myspace, Facebook, entre outros.
Mas isso não está se dando somente com a juventude, e muito menos apenas para uma juventude privilegiada economicamente. Os dados sobre o uso da telefonia móvel no Brasil e no mundo indicam claramente um crescimento espantoso de acesso a essa rede. No caso do Brasil, os números de 2008 apontam que o país já possuía mais de 128 milhões de linhas instaladas1. Em termos mundiais, em 1991, existiam 34 linhas de telefone fixo para cada móvel e, em 2004, as assinaturas de telefones móveis superavam os fixos ("1.748 milhões de celulares/1.198 milhões de telefones fixos") (LEADBEATER, 2009, p. 185). Com o acesso facilitado, seu uso extrapola o juvenil, passando a serem usados por todas as idades, como pode ser visto nos recentes exemplos nos movimentos em defesa das liberdades no Irã, quando praticamente toda a mobilização ocorrida foi postada pelos ativistas e militantes iranianos com textos, imagens, vídeos e áudios, de lá para o mundo, sem passar pelos tradicionais canais de comunicação.
Essa apropriação traz, associadas a ela, transformações na forma de se manifestar. Exemplo dos mais significativos nos dias de hoje é o Twitter. Aqui, o que temos são novas formas de expressão e linguagens, já que essa plataforma de comunicação limita a escrita ao máximo de 140 caracteres, o que demanda não só a utilização de expressões abreviadas, já típicas da escrita da juventude nos SMS (short message service - serviço de mensagens curtas), mas também outras formas de expressão, mais sintéticas e mais diretas.
Como afirmou Sérgio Costa, no Hipertexto 2009, ele permite "a construção de novos gêneros de texto, em que o nomadismo e as relações entre superfície e interface estão presentes. Trata-se da chamada 'cultura móvel', em que o nomadismo é uma de suas características principais, com sua instabilidade, heterogeneidade e fluidez, refletidas nas práticas comunicativas ciberespaciais".
Complementarmente, como a ideia básica é dizer o que se está fazendo para aqueles que são interessados no seu dia a dia, cria-se um efeito multiplicador significativo, com o denominado efeito Twitter, significando uma expansão exponencial da rede assim formada.
Nesse contexto, é importante compreender como a presença das tecnologias digitais, denominadas por Pierre Lévy de tecnologias da inteligência (LÉVY, 1993), e que Luis Felippe Serpa denomina de tecnologias proposicionais (SERPA, 2004), passam a operar em uma dimensão diferente das antigas tecnologias, que operavam numa perspectiva de extensão dos sentidos do homem.
Hoje, passamos a ter um conjunto de tecnologias que não mais operam na perspectiva de amplificar os sentidos, mas que passam a operar com as ideias propriamente ditas. Em outras palavras, máquinas que não mais estão apenas (apenas?!) a serviço do homem, mas que com ele interagem, formando um conjunto homem-máquina pleno de significado. De acordo com o físico inglês Stephen Wolfram, citado por Piere Lévy,

a mudança é ainda mais fundamental, pois surgiu um novo modo de pensamento científico. Doravante, as leis científicas são consideradas como algoritmos e mitos desses algoritmos são estruturados por computadores; por outro lado, consideram-se os sistemas físicos como sistemas informáticos que processam a informação à maneira dos computadores (LÉVY, 1998, p. 114).

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Como devemos avaliar nossos alunos

Avaliação na educação

Domingos Fernandes

 Limitações e potencialidades da avaliação profissional.

 Nunca como agora foram tantas as pressões para que, nos mais variados contextos educativos e formativos, se avalie tudo e todos. Entramos numa era em que a “prestação de contas” entrou no léxico dos educadores mais insuspeitos. Daqui e dali surgem verdadeiros kits prontos a usar para avaliar professores, escolas e sistemas educativos. Tudo em nome de uma qualidade, de uma eficiência e de uma eficácia que, em rigor, nem sempre serão discutidas com clareza e com a desejável e necessária profundidade. Há uma corrida à avaliação como se ela fosse a panacéia para todos os males que apoquentam os sistemas educativos. Num ápice, em poucos anos, multiplicaram-se as avaliações no seio dos sistemas educativos: das aprendizagens dos alunos, dos desempenhos dos professores e das escolas, dos programas lançados pelas administrações educativas ou dos currículos. Mais: diferentes organizações internacionais, governamentais e não governamentais, têm promovido estudos de avaliação das aprendizagens, sobretudo em Matemática, Ciências e Língua Materna, envolvendo dezenas de países, milhares de escolas e dezenas de milhares de estudantes. 
 Entre tais avaliações se encontram o Programme for International Student Assessment (PISA), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Third International Mathematics and Science Study (TIMSS) da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA). A chamada globalização e a conseqüente interdependência econômica de muitos países, não são indiferentes a estes esforços avaliativos que, num certo sentido, acabam por influenciar o desenvolvimento das suas políticas educativas. Curiosamente, no domínio das aprendizagens dos alunos, parece ser claro que aqueles esforços de avaliação têm estado mais centrados nas avaliações externas – exames nacionais – normalmente da responsabilidade dos Ministérios da Educação ou de quaisquer outras entidades oficiais, e menos nas respectivas avaliações internas, da responsabilidade dos professores e das escolas. Ou seja, há um déficit de investimento na chamada avaliação pedagógica, na avaliação cujo principal propósito é o de ajudar alunos e professores a aprender e a ensinar melhor e que ocorre no interior das salas de aula. Note-se que nada tenho contra a proliferação de sistemas de avaliação que contribuam genuinamente para que se compreenda a natureza dos problemas e para que se encontre algum tipo de solução para eles. Pelo contrário, sou dos que acreditam que a avaliação pode constituir um poderoso meio de melhoria generalizada das práticas escolares e, conseqüentemente, da aprendizagem dos alunos. 
 A avaliação pode ajudar-nos a construir escolas mais inteligentes, com projetos pedagógicos capazes de apoiar a emancipação dos jovens estudantes e dos próprios professores pois contribuem de forma inequívoca para que se aprenda a ensinar e para que se aprenda a aprender. O meu receio é que a avaliação se banalize no pior sentido e se transforme num mero procedimento de controle burocrático-administrativo, em vez de um poderoso processo de regulação e de melhoria, que exige a mobilização de processos cognitivos e metacognitivos complexos. Repare-se que no caso da aprendizagem dos alunos a avaliação deveria ser um processo eminentemente pedagógico, centrado em objetivos de largo alcance e de largo espectro, contínuo, fortemente participado e, por isso mesmo, de grande exigência cognitiva. Isto é, deveria prevalecer uma avaliação de natureza essencialmente formativa, consistindo na recolha de informação e/ou de evidências de aprendizagem que, através de feedback apropriado, é devolvida aos alunos para que eles possam, quando necessário, vencer as dificuldades. A investigação realizada nas últimas décadas, particularmente a partir dos anos 80 do século passado, evidencia de forma clara que a avaliação formativa melhora significativamente as aprendizagens dos alunos e, muito particularmente, dos que têm mais dificuldades. De igual modo, a avaliação formativa está associada a processos significativos de desenvolvimento profissional dos professores, a melhorias sensíveis na organização e no funcionamento pedagógico das escolas e a formas diferenciadas de construção da sua autonomia. Importa talvez acrescentar, para além do que já se referiu, que a avaliação formativa, independentemente do ente que está a ser avaliado, está intrinsecamente associada a processos de auto-avaliação, de auto-controle e de auto-regulação. Ou seja, as práticas de avaliação formativa não podem deixar de implicar o exercício de práticas diferenciadas de autonomia, que exigem novas e inovadoras formas de desenvolvimento curricular, de participação dos professores no seu próprio desenvolvimento profissional ou de organização e de funcionamento dos grupos que constituem a escola. Sendo evidente que a avaliação tem um importante papel a desempenhar nos sistemas educativos e na sociedade em geral, é necessário, por um lado, que exista o discernimento suficiente para que se perceba que papel é esse e quais são os seus limites. Por outro lado, que a avaliação não seja vista como mais uma técnica ou mais uma espécie de receita que se utiliza de forma mecânica e burocrática.
 E muito menos se poderá permitir que a avaliação e os avaliadores se tornem numa espécie de juízes, acima de qualquer suspeita, acima de qualquer escrutínio, que dizem a todos o que está funcionando bem e o que está funcionando mal… A presença crescente da avaliação nas mais variadas áreas da vida social é hoje uma realidade indispensável e mesmo insubstituível. Isso porque, entre outras finalidades, permite caracterizar, compreender, divulgar e ajudar a resolver uma grande variedade de problemas que afeta a sociedade contemporânea, tais como o pleno acesso à educação, a prestação de cuidados de saúde, a distribuição de recursos e a pobreza. Melhorar a vida e o bem estar das pessoas, isto é, contribuir decisivamente para a construção de justiça a todos os níveis e para a implantação de sistemas sociais e políticos plenamente democráticos, é talvez um dos mais prementes desafios às teorias, às práticas e às políticas de avaliação. Na verdade, pensando no contexto de muitos sistemas educativos contemporâneos, questionar um status quo pedagógico em que se continua a discriminar e a segregar socialmente milhões de alunos um pouco por todo o mundo, é um imperativo ético e político da maior relevância que tem de ser assumido por todos: professores, educadores, investigadores, políticos, pais e encarregados de educação e alunos. Trata-se de um problema de graves repercussões que a avaliação pode e deve ajudar a resolver através de: a) novas formas de avaliar o que os alunos sabem e são capazes de fazer; b) sistemas que permitam avaliar o desempenho de educadores e professores, apoiando-os no seu desenvolvimento profissional; ou c) processos amplamente participados de auto-avaliação das escolas e das instituições escolares em geral. Conscientes das limitações e dos perigos de olharmos para a avaliação de forma pouco crítica e pouco sustentada dos pontos de vista ontológico, epistemológico, metodológico e pedagógico, podemos transformá-la numa importante alavanca de transformação e de melhoria das realidades educativas. Realmente, a avaliação pode, por exemplo, contribuir para que se rompa com o paradigma da transmissão do conhecimento e se desenvolva um paradigma em que o conhecimento é construído interativamente. Ou, ainda, para que o ensino uniforme dê lugar a um ensino diferenciado que responda às necessidades de todos e de cada um dos jovens estudantes. Da mesma maneira, a avaliação pode ser um processo clarificador e de tomada de consciência coletiva dos professores e das escolas quanto ao desempenho dos sistemas educativos.
 A avaliação, por definição e natureza, potencializa a valorização e a credibilidade das competências profissionais, científicas e pedagógicas dos professores. Neste sentido, poderá ser um importante processo de regulação, de amadurecimento, de credibilidade e de reconhecimento de uma classe profissional que, numa diversidade de países, está confrontada com um dos desafios mais significativos dos últimos anos. Quaisquer que sejam os desenvolvimentos das políticas educativas para os próximos anos, poderá ser grave não atribuir uma prioridade clara à melhoria do ensino, das aprendizagens e da organização e funcionamento pedagógico das escolas, através de sistemas de avaliação de natureza marcadamente formativa. Estes desígnios são partilhados de forma mais ou menos explícita pelos educadores, professores e investigadores que colaboram neste livro. Desta forma, a partir de uma multiplicidade de perspectivas e de diferentes contextos de aplicação prática da avaliação, ficam bem claras as suas reais potencialidades para transformar e melhorar as realidades dos sistemas educativos contemporâneos. Domingos Fernandes Professor da Universidade de Lisboa, Portugal; Doutor e Mestre em Educação; Licenciado em Matemática; Professor em cursos de pós-graduação de universidades portuguesas e estrangeiras na área sobre avaliação; Autor de várias obras na área. « Lançamento RevistasIh! Errei! Contribuições para uma prática mais competente »

domingo, 2 de fevereiro de 2014


Compreensão do conteúdo

Com base nesses pressupostos, Emilia Ferreiro critica a alfabetização tradicional, porque julga a prontidão das crianças para o aprendizado da leitura e da escrita por meio de avaliações de percepção (capacidade de discriminar sons e sinais, por exemplo) e de motricidade (coordenação, orientação espacial etc.).
Dessa forma, dá-se peso excessivo para um aspecto exterior da escrita (saber desenhar as letras) e deixa-se de lado suas características conceituais, ou seja, a compreensão da natureza da escrita e sua organização. Para os construtivistas, o aprendizado da alfabetização não ocorre desligado do conteúdo da escrita.

É por não levar em conta o ponto mais importante da alfabetização que os métodos tradicionais insistem em introduzir os alunos à leitura com palavras aparentemente simples e sonoras (como babá, bebê, papa), mas que, do ponto de vista da assimilação das crianças, simplesmente não se ligam a nada. Segundo o mesmo raciocínio equivocado, o contato da criança com a organização da escrita é adiado para quando ela já for capaz de ler as palavras isoladas, embora as relações que ela estabelece com os textos inteiros sejam enriquecedoras desde o início.

Segundo Emilia Ferreiro, a alfabetização também é uma forma de se apropriar das funções sociais da escrita. De acordo com suas conclusões, desempenhos díspares apresentados por crianças de classes sociais diferentes na alfabetização não revelam capacidades desiguais, mas o acesso maior ou menor a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida.